Por que isso é relevante?
Muito se fala de encontro entre culturas, um fenômeno global na história, já que seres humanos estão em constante movimento pelo mundo, empreendendo trocas com diferentes grupos. De maneira geral, ao investigar a dinâmica de um encontro em particular, esta pesquisa dá ferramentas para que reconheçamos fenômenos que se repetem em outros casos. Já no sentido mais estrito, a pesquisa se volta para as atividades desenvolvidas pelo mesmo reino que ocupou e colonizou o Brasil – Portugal – e busca compreender as relações que os agentes desse mesmo reino estabeleceram com outros povos em uma situação radicalmente dessemelhante daquela que encontraram e construíram na América.
Resumo da pesquisa
A missão cristã no Japão, iniciada com a chegada de Francisco Xavier ao arquipélago em 1549, inaugurou aquilo que Charles Boxer veio a denominar “século cristão” no país. Foi um período bastante conturbado na história japonesa: guerras civis quase ininterruptas vinham assolando o arquipélago há décadas, e os generais que foram capazes de colocar fim ao estado de conflito militar – Oda Nobunaga e Toyotomi Hideyoshi – não conseguiram fazer com que seus descendentes herdassem suas posições.
No século 17, o clã Tokugawa tomou o poder e inaugurou o regime militar que ficaria conhecido como Tokugawa Bakufu e duraria por mais de dois séculos e meio. Para que esse novo regime perdurasse, foram forjadas diversas estruturas legitimadoras. Como resultado, o cristianismo foi interditado e os reinos ibéricos banidos e proibidos de retornar aos portos japoneses. As ordens missionárias católicas foram testemunhas de todo esse processo e buscaram até o fim negociar com esse poder em formação, na tentativa de manter suas atividades no arquipélago.
Devido a essa situação vulnerável da atividade missionária no Japão, a Companhia de Jesus teve assegurado o monopólio da missão por mais de quatro décadas. Esse monopólio foi efetivamente quebrado em 1593, quando os franciscanos espanhóis iniciaram sua atividade no arquipélago, a despeito da forte oposição jesuíta. O que se busca compreender neste trabalho, através dos escritos produzidos por esses missionários e de algumas obras dos japoneses sobre o cristianismo, é como jesuítas e franciscanos desenvolveram a missão cristã no contexto da unificação do Japão, e, por outro lado, a forma como os japoneses se apropriaram desse cristianismo, incluindo a reação que o mesmo causou nos círculos intelectuais dentro e fora do Bakufu.
Quais foram as conclusões?
Os fundamentos do acalorado debate entre franciscanos vindos das Filipinas e jesuítas vindos nas naus portuguesas da Índia e Macau sobre a atividade missionária no Japão são de naturezas diversas. Envolveu tanto questões práticas e jurídicas – como separação das esferas de influência entre os reinos ibéricos acordados nos tratados de Tordesilhas e Saragoça – quanto filosóficas e teológicas – como discussões sobre a diversidade da cristandade e uso legítimo de estratégias pragmáticas para difundir o cristianismo entre povos não cristãos. Entretanto, entre os japoneses essas polêmicas ressoaram pouco ou muito marginalmente. Aqueles que adotaram o cristianismo se apropriaram dele de uma maneira que refletia pouco as preocupações dos missionários, jesuítas ou franciscanos. Ao fim, a ferrenha perseguição que se seguiu aos editos anticristãos do século 17 e o caráter clandestino que o cristianismo foi obrigado a assumir no Japão influenciaram de maneira mais impositiva a forma como essa religião se desenvolveu entre as comunidades de cristãos japoneses. Por outro lado, a negação do cristianismo por parte das autoridades japonesas esteve mais relacionada ao receio do elemento estrangeiro e à determinação em controlá-lo e, com isso, eliminar o surgimento de projetos alternativos de sociedade.
Quem deveria conhecer os resultados?
Os resultados dessa pesquisa devem interessar àqueles que buscam se aprofundar em assuntos como: a expansão marítima europeia, os encontros que foram acarretados por ela durante o período moderno, a história do Japão pré-moderno e do início da modernidade, entre outros.
Renata Cabral Bernabé é historiadora especialista em história da Ásia e da expansão ibérica do início do período moderno. Ela concluiu seu doutorado em 2018 no departamento de História da USP (Universidade de São Paulo), tendo feito um estágio de pesquisa doutorado sanduíche na Universidade de Sophia em Tóquio (2014-2015). Entre 2019 e 2021, ela desenvolveu um projeto de pesquisa de pós-doutorado no departamento de pós-graduação em Estudos Culturais Internacionais da Universidade de Tohoku, em Sendai (Japão), e, em 2022, outro no departamento de História da USP. Atualmente ela trabalha como assistente de pesquisa em um projeto desenvolvido no EUI (Instituto Universitário Europeu), em Florença, na Itália, intitulado “As origens asiáticas do capitalismo global” (CAPASIA).
Referências
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BOXER, Charles Ralph. The Christian Century in Japan, 1549-1650. Berkeley: University of California Press, 1951.
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ELISON, George. Deus Destroyed: The Image of Christianity in Early Modern Japan. Cambridge: Harvard University Press, 1973.
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PARAMORE, Kiri. Ideology and Christianity in Japan. Ideology and Christianity in Japan. Abingdon: Routledge, 2009.
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HESSELINK, Reiner H. The Dream of Christian Nagasaki: World Trade and the Clash of Cultures, 1560–1640. Jefferson, North Carolina: McFarland & Company, 2016.
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RUBIÉS, Joan-Pau. “Real and Imaginary Dialogues in the Jesuit Mission of Sixteenth-Century Japan.” Journal of the Economic and Social History of the Orient, 55, no. 2–3, 2012, pp. 447–94. https://doi.org/10.1163/15685209-12341242.